Tartarugas até lá embaixo, de John Green

13 de janeiro de 2018
SINOPSE: Depois de seis anos, milhões de livros vendidos, dois filmes de sucesso e uma legião de fãs apaixonados ao redor do mundo, John Green, autor do inesquecível A culpa é das estrelas, lança o mais pessoal de todos os seus romances: Tartarugas até lá embaixo.
A história acompanha a jornada de Aza Holmes, uma menina de 16 anos que sai em busca de um bilionário misteriosamente desaparecido – quem encontrá-lo receberá uma polpuda recompensa em dinheiro – enquanto lida com o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).  
Repleto de referências da vida do autor – entre elas, a tão marcada paixão pela cultura pop e o TOC, transtorno mental que o afeta desde a infância –, Tartarugas até lá embaixo tem tudo o que fez de John Green um dos mais queridos autores contemporâneos. Um livro incrível, recheado de frases sublinháveis, que fala de amizades duradouras e reencontros inesperados, fan-fics de Star Wars e – por que não? – peculiares répteis neozelandeses.

"Parta corações, mas não quebre promessas."



Depois do lançamento de Tartarugas li algumas resenhas negativas sobre como o autor abordou o tema, e fiquei curiosa porque é algo que ele vivência (?) então, como ele faria isso de uma forma leiga?

O TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), ao contrário do que as pessoas pensam, não está resumido a uma mania específica de limpeza, mas são tipos de pensamentos intrusivos, repetitivos, que causam incômodos e fazem os portadores realizarem determinados rituais - que se tornam compulsivos - para se livrar desses pensamentos. Muitas vezes o que causa o medo não é algo que ameaça a vida da pessoa, mas, mesmo assim, os pensamentos intrusivos alarmam como se de fato fosse acontecer algo grave se a pessoa não realizar determinado ritual.


A Aza Holmes convive com o toc desde pequena e, mesmo em tratamento não consegue se livrar da obsessão que tem com micro-organismos, principalmente, os que fazem parte do seu bioma particular. Um dos maiores questionamentos de Aza é sobre ela se pertencer; como a maioria das bactérias que estão no nosso corpo não são nossas, Aza pensa que por isso elas também podem ser donas dos pensamentos e vontades dela, elas sendo as protagonistas e ela sendo nada mais que a hospedeira. Além disso, o seu maior medo é adquirir a super bactéria Clostridium difficile, geralmente transmitida em pacientes que estiveram em hospitais há pouco tempo, mas, mesmo sabendo disso, está sempre comparando reações naturais do corpo dela com sintomas de quem está infectado. 

(...) e enquanto isso eu só pensava que, se metade das células no meu corpo não pertence ao meu corpo, isso não coloca em xeque todo o conceito de eu como pronome singular e, mais ainda, a noção do indivíduo como autor do próprio destino? Eu me sentia caindo, penetrando cada vez mais naquele buraco de minhoca recorrente.

Mas, mesmo sendo portadora, o transtorno mental não a impede de ter uma vida normal - ainda que evitando situações. E isso é uma das coisas que mais gostei na história: o autor não colocou a Aza em situação de pena e martírio; ele mostrou sim que ela possui uma doença, que isso afeta o mundo a sua volta, mas não a torna menos humana. Ela tem sentimentos, desejos, sonhos, vontades etc. O que reforça isso é a amizade que ela consegue manter com Daisy.

As duas estudam na mesma escola e sempre estão marcando encontros para estudarem juntas ou momento de lazer. Mas, infelizmente, Aza é impedida de estar mais presente na amizade porque sua mente sempre está em alerta e ansiosa, fazendo ela viver muito no seu mundo de dentro se auto protegendo, e, mesmo não querendo, acaba não conseguindo expressar a importância que as pessoas ao seu redor tem. É angustiante porque vemos a frustração da Aza por saber que está sendo falha nesses quesitos, ela relata como gostaria de falar para a amiga algumas coisas, mas sempre os pensamentos intrusivos estão deixando todas as outras coisas em segundo plano.

No ponto de vista da Daisy, a Aza dá importância aos problemas além do necessário, sendo exagerada nas manias e atitudes, e também ficando off do mundo por não se interessar pelos assuntos da amiga por falta de interesse mesmo. Isso mostra como as pessoas, por mais próximas que sejam, tem dificuldade de conviver com uma pessoa com transtornos, especificamente, o TOC, mas não significa que ela não a ame.

Mas, ainda assim, as duas meninas entram em um drama policial buscando saber sobre o desaparecimento do pai - milionário - de Davis Pickett, quem a Aza conhece desde pequeno mas agora não são tão próximos como antes. A investigação delas não vai além de pesquisas na internet, então chega certo ponto que o assunto sobre isso vai diminuindo e a investigação  passa a ser apenas algo que o autor inventou para servir de ligação entre Aza e o Davis. Tanto que, quando o mistério é revelado, eu nem percebi que aquilo estava mesmo acontecendo porque foi muito rápido, simples e quase sem importância. "Ah, é isso? Okay então."

O romance entre Aza e Davis é simples, não vai muito além de conversas poéticas e astronomia. Eles passam a se encontrar com mais frequência e mostram, de uma forma simples, que estar acompanhado de alguém não precisa necessariamente ter toque físico. Aza, na verdade, tem vontade de manter um relacionamento o mais normal possível que contenha atos banais como beijos e abraços, e se esforça muito para ter essa aproximação entre eles, mas o toc, mais uma vez, fala mais alto.

A forma como o John descreveu os momentos de crise, questionamentos e falta de direção, deixa a personagem mais real, com sentimentos reais e alcançados facilmente pelos jovens de hoje. Não é questão de ter os mesmo transtornos, mas, realmente, o autor soube dosar as frustrações de uma adolescente sem transtornos + a com transtornos. A Aza se preocupa com qual faculdade vai fazer, mas também se preocupa com as bactérias que podem ter na instituição e como isso pode torná-la isolada. Entende onde quero chegar?

Como eu disse, o leitor não precisa, necessariamente, ser diagnosticado com algum transtorno para conseguir se colocar no lugar da Aza e entender os seus medos, porque os sentimentos negativos apresentados são aqueles que lidamos diariamente. Tartarugas até lá embaixo vai apresentar mais uma história difícil, com suas peculiaridades, mas, ainda assim, uma vida com futuro e sonhos realizados. O final, ainda que desenvolvido de uma forma rápida, traz uma mensagem linda sobre como a vida existe além dos nossos problemas, frustrações, crises, ilusões etc, nos dando a perspectiva de um futuro. 
Pode ser um caminho longo e difícil, mas os transtornos mentais são tratáveis. Há esperança, mesmo que seu cérebro lhe diga que não.

3 comentários:

  1. Eu sou perdidamente apaixonada pelos livros do John, mas até agora, não consegui ler esse livro. O coloquei em minha meta de 2018, agora só falta comprá-lo (risos).
    Parabéns pela resenha, muito bem escrita, beijos ♥

    https://leitoresesuasmanias.blogspot.com.br/

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  2. Foi uma das melhores leitura que fiz ano passado.
    Gostei muito da forma que o autor trabalhou a personagem. Notei que o John amadureceu muito com essa ausência e isso fez com que eu voltasse a me interessar pelo trabalho dele <3

    Beijos
    Sai da Minha Lente

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  3. Eu fiquei bem curiosa com relação a esse livro, acho que o grande desafio do John Green será "tocar" as pessoas que não são portadoras dessa doença ou de outros disturbios psicológicos. Estou com o livro aqui e grandes expectativas também! Beijos!
    Colorindo Nuvens

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